Queda
Vejo-a caída no chão do quarto. Não há sangue, ela não esta morta, tenho certeza, mas também não se meche. No chão só há lágrimas, talvez a dor tenha matado sua humanidade. Ela foi morta por dentro, destruíram-na de todas as formas que alguém pode ser destruída. Eu a chamo, mas ela não responde, talvez a dor a tenha calado eternamente, tamanha dor foi demais para essa pequena mulher. Agora ali deitada, parece mais frágil que nunca, não parece estar dormindo, mas tenho medo de me aproximar, apesar de não acreditar que posso chamar sua atenção, ela esta perdida dentro de si, esqueceu o mundo e talvez até de sua própria existência. Mas eu tenho consciência do corpo caído bem a minha frente e dos olhos negros, vazios e profundos chorando dores grandes de mais para continuarem escondidas. Já não consigo ver nos teus olhos aquele brilho tão comum.
A vontade de aproximar-me e nina-la
é grande, mas não me sinto no direito de interromper sua dor e mentir dizendo
que tudo ficará bem. Como gostaria que fosse possível todo se resolver e ficar
bem, mas sabemos que as coisas só tendem a piorar. Ah minha menina, como
gostaria de impedir que passasse por tal angustia, como gostaria de tomar para
mim toda tua dor. Mas eu sei que quando tudo passar já não será uma garotinha,
serás uma mulher por inteira, forte como sempre imaginou ser. Pena que
descobriste tão duramente o quanto fraca é.
Desisto de tentar resistir e já tenho
aninhada em meu colo, sei que ela notou minha presença, mas continua imóvel,
chora mais, agora quase que posso ouvir seus soluços baixos e quase imperceptíveis.
.
.
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Não foram horas, nem dias, foram
precisos semanas para ela voltar a sentar-se e trocar os chocolates e doces por
uma alimentação de verdade. Após alguns meses já se encontrava de pé, portando
um sorriso que não era seu, mas ao menos já conseguia sorrir.
Depois de alguns meses novamente destruíram-na,
mas ela não caiu, não chorou, já não haviam lágrimas para serem derramadas, continuou
de pé, com aquele sorriso que não lhe pertencia, mas que lhe caia tão bem...